Estresse tóxico: por que não se deve deixar o bebê chorar até dormir

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Estresse tóxico: por que não se deve deixar o bebê chorar até dormir

Você está passando noites em claro. Sente-se exausta(o). Cai no seu colo a “orientação” de um amigo, de um livro, de um programa de entretenimento da TV: deixe seu bebê chorar até cansar.

POR FAVOR, não faça isso!

Existem algumas linhas básicas de pensamento relacionadas ao sono. Uma delas, completamente sem fundamento e muito polêmica, diz que é preciso deixar o bebê chorar até aprender a adormecer sozinho.

O método “chorar até dormir” não apenas é de cortar o coração. Ele é NOCIVO para seu filho. Vamos falar aqui da expressão ESTRESSE TÓXICO, com argumentos científicos da neurociência que mostram os motivos para nenhuma família fazer isso com seu bebê.

“Ah, mas comigo resolveu, ele chorou todas as noites por uma semana inteira e aprendeu.”

Bom, gente, mas a que custo? Este “método” traz prejuízos ao desenvolvimento cognitivo e social do seu filho.

Tive a oportunidade de perguntar sobre este assunto para a pediatra e pesquisadora NADINE BURKE HARRIS no workshop sobre Primeira Infância do qual participei na Columbia University em julho de 2018.

Existem 3 tipos de respostas ao estresse, conforme Nadine relata em seu livro “The Deepest Well: Healing the long-term effects of childhood adversity”:

ESTRESSE POSITIVO – é uma parte normal do desenvolvimento regular saudável. Ocorre, por exemplo, em situações pontuais, como o primeiro dia em que a criança está em uma nova escola ou vai ao posto de saúde receber uma vacina.

ESTRESSE TOLERÁVEL – é o que ativa o sistema de alerta do corpo quando acontece uma dificuldade mais tensa, como a perda de um ente querido, algum desastre natural, alguma lesão assustadora. Se esta situação é por um tempo limitado e mediado pelas relações de afeto e adaptação com adultos, o cérebro e outros órgãos se recuperam dos efeitos de dano.

ESTRESSE TÓXICO – ocorre quando a criança experimenta um intenso, frequente e prolongado sofrimento, como abuso emocional, negligência parental, cuidadores que abusam de substâncias ilícitas ou com doenças mentais, exposição à violência e mais outros fatores de desequilíbrio. Este tipo de situação é o que causa uma perturbação da arquitetura cerebral, que aumenta o risco de estresse e problemas de desenvolvimento até a vida adulta.

É aqui que a “técnica” de deixar o bebê noites a fio chorando entra. Os níveis do hormônio do estresse, o cortisol, permanecem altos mesmo dias após a primeira noite em que foram deixados berrando sozinhos no berço. O excesso do hormônio no corpo, nos primeiros anos de vida, pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro. Vamos repetir: cortisol em excesso no cérebro imaturo como o de um bebê irá destruir conexões neurológicas importantes. As partes do cérebro responsáveis pelo controle emocional, caso se percam nessa fase importante da infância, não se desenvolvem mais. A longo prazo, você terá um bebê estressado em casa e sem o chamado “apego seguro”, que é papel dos pais criar junto à construção do vínculo.

Um bebê não sabe falar, certo? Então o choro é a principal forma de comunicação de um recém-nascido informar aos cuidadores sobre seus incômodos: fome, frio, sono, medo… São vários os desconfortos nos primeiros meses de vida. ISSO NÃO É BIRRA! Se você deixa a criança chorando sozinha esperando que ela “aprenda” a dormir sozinha chorando, a única coisa que vai acontecer é que sim, uma hora ela vai dormir, exausta, com o cérebro e o corpo inundados de estresse tóxico. E isso dia após dia é prejudicial. A mãe e o pai irão acolher seu bebê e acalmá-lo, com os recursos do colo e do acolhimento. E procurar outra rotina de sono que faça sentido para seu bebê dormir.

Trago mais verdades sobre primeira infância pela voz da pediatra Nadine Burke Harris. Assista aqui à palestra da especialista no TED: “How childhood trauma affects health across a lifetime”, traduzida abaixo.

Experiência pessoal: gosto muito do livro “Soluções para uma noite sem choro”. Durante algum tempo, foi o meu guia pessoal para o assunto quando Pietra era bebê. E a autora, Elizabeth Pantley, traz um breve relato muito comovente sobre como as mães também ficam estressadas:

“Em determinado momento do período em que Ângela não dormia à noite, cedi à pressão de amigos, familiares e até de meu pediatra, que recomendavam que algumas noites de choro resolveriam nosso problema. (Se você está lendo este livro, conhece essa pressão também.) Portanto, certa noite, eu a deixei chorar até dormir. E foi horrível. Eu ia vê-la várias vezes, sempre aumentando o intervalo antes de retornar ao seu berço. Mas cada vez que eu voltava cortava-me o coração ver meu bebezinho estendendo os braços, desesperado e inutilmente gritando, ‘Mamã!’, o rostinho revelando terror e confusão. E soluçando. Após duas horas desse tormento, eu também estava chorando. Peguei minha garotinha e a abracei bem forte. Ela estava muito agitada para que eu a amamentasse e muito abalada para dormir. Abracei-a e beijei a sua cabecinha enquanto seu corpo tremia em consequência do choro. Pensei: ‘Esta abordagem responde às necessidades infantis? Isso vai ensiná-la que o mundo merece sua fé e confiança? Isso é cuidar do bebê?’. Decidi ali mesmo: estavam todos errados. Redondamente enganados. Eu estava convencida de que era uma maneira simplificada e cruel de tratar outro ser humano, e sobretudo o amorzinho da minha vida. Permitir que o bebê sofra de dor e medo até que ele desista e durma é cruel e, para mim, inimaginável. Prometi ao meu bebê que jamais seguiria o caminho que os outros nos indicassem. Jamais permitiria que chorasse até dormir. Além disso, jurei que não deixaria nenhum dos meus futuros filhos passar por aquela experiência terrível que acabávamos de vivenciar. E assim foi.”

Camila Saccomori
Camila Saccomori
Jornalista e mãe da Pietra, de 10 anos - a inspiração para a vida e a carreira! ❤️ Camila Saccomori trabalhou por mais de 20 anos no Grupo RBS como repórter e editora. Atua em projetos temáticos de famílias pela sua produtora de conteúdos @VamosCriar. Foi bolsista do curso "Primeira Infância para Mídia", da Columbia University (Nova York/2018). Mestre em Comunicação pela PUCRS. 🔊 AH, o sobrenome se pronuncia assim: SA-KO-MÔ-RI (mas não é japonês, é descendência italiana mesmo). 😅

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